Arteterapia Junguiana: Uma Leitura Da Psicologia Analítica De Carl Gustav Jung (1875-1961) Através Das Mandalas

Arteterapia Junguiana: Uma Leitura Da Psicologia Analítica De Carl Gustav Jung (1875-1961) Através Das Mandalas

por Irene Gaeta6

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Resumo

Este artigo descreve os fundamentos da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung (1875-1961) e propõe uma aproximação com a Arteterapia, especificamente com o desenho de mandalas.
Jung considerava a imaginação como uma das principais funções da psique, a expressão direta da atividade vital e a única forma pela qual a energia psíquica se manifesta na consciência.

Assim devemos prestar atenção à linguagem da psique – a fantasia – pois é por meio desta que o homem é capaz de se lançar em um processo de simbolização, tornando-se um criador interminável de novas possibilidades culturais, uma vez que a mente se enche de imagens que dão amplitude à experiência exterior. No Brasil, Nise da Silveira foi pioneira tanto em trazer a Psicologia Analítica, como a utilizar recursos expressivos que culminou com o atual Museu do Inconsciente. Na década de 1950, manteve correspondência com Carl G. Jung e, estimulada por ele, realizou em 1957, em Zurique, a exposição intitulada “A Arte e a Esquizofrenia”, ocupando cinco salas no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. No ano de 2012, quarenta mandalas dos pacientes de Jung foram apresentadas ao público pela primeira vez no Oglethorpe University Museum of Art, em Atlanta, USA. Assim sendo, vemos no diálogo de Jung com Nise uma aproximação com nossa prática arteterapêutica.

Palavras-chave: Arteterapia; psicologia analítica; símbolos; mandalas.

Ao analisar os fundamentos, os métodos e os procedimentos da Psicologia Analítica em interface com a Arteterapia para propor novas possibilidades de abarcar, compreender e configurar o complexo universo das manifestações e das relações comunicacionais humanas, o fazemos com cautela e buscando o máximo de clareza. Do contrário, a construção deste território de ação, em que áreas distintas do conhecimento – a Arteterapia e a Psicologia Analítica – se aproximam tende a ter suas fronteiras borradas e, consequentemente, perderem-se daquilo que as uniu: de um lado, a transformação que o processo de criação, reflexão e produção em Arte acarreta no ser humano, ao dar configurações visíveis de seus pensamentos em diferentes linguagens artísticas autônomas (desenho, escultura, pintura, gravura, performance, música, teatro), e de outro, a psicoterapia, cujos modos de análise, interpretação e discussão, reconhece as camadas profundas da psique.

A Arteterapia estabelece interlocução entre várias áreas do conhecimento: antropologia, arte, psicologia, neurologia, psiquiatria, filosofia, sociologia, etc. Trata-se da utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos (GAETA, 2006, p.20).

Na atividade arteterapêutica, os recursos plásticos que apontam os limites e as possibilidades que cada material e cada técnica impõem e favorecem. São categorizados em três dimensões: uma, de ordem física relativa à composição e à natureza do próprio material e sua quantidade. Outra, diz respeito à estrutura da experiência proposta: mediada ou não por instrumentos e pincéis. A terceira dimensão refere-se ao nível de complexidade técnica requerido para a utilização do material.

A interação com diversos materiais em atividades plástico-expressivas mobilizará predominantemente um nível de funcionamento humano (sensório-motor, afetivo, perceptivo, cognitivo, etc) e facilitará certas qualidades do processo expressivo, permitindo espontaneidade, fluidez, contenção, diferenciação e livre-expressão. A Arteterapia facilita a expressão de componentes simbólicos universais, culturais ou singulares – que podem conter conteúdos da ordem do “não-dito” inconsciente, conteúdos reprimidos, marcas não cicatrizadas e conteúdos que nunca foram conscientes, havendo a possibilidade, inclusive, de rompimento da barreira do tempo e do espaço: na arte tudo se presentifica (GAETA, 2009, p.51).

Nise da Silveira foi a pioneira na introdução da Psicologia Analítica e da utilização de recursos expressivos, no Brasil. Seu trabalho culminou com o atual Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Na década de 1950, manteve correspondência com Carl G. Jung e, estimulada por ele, em 1957, ocupou cinco salas com pinturas e esculturas feitas pelos pacientes do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro, na exposição “A Arte e a Esquizofrenia”, durante o “II Congresso Internacional de Psiquiatria”, em Zurique.

Figura 10: Tombo 317, Fernando Diniz, óleo s/ tela. Pintura apresentada no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. Fonte: Museu de Imagens do Inconsciente.

 

Figura 11: Tombo 311, Fernando Diniz, óleo s/ tela. Pintura apresentada no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. Fonte: Museu de Imagens do Inconsciente.

 

Figura 12: Tombo 316, Fernando Diniz, óleo s/ sobre tela. Pintura apresentada no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. Fonte: Museu de Imagens do Inconsciente.

 

Figura 13: Tombo 315, Fernando Diniz, óleo s/ sobre tela. Pintura apresentada no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. Fonte: Museu de Imagens do Inconsciente.

 

Figura 16: Tombo 6082, Adelina Gomes, óleo sobre papel. Pintura apresentada no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. Fonte: Museu de Imagens do Inconsciente.

 

Figura 17: Tombo 2848, Adelina Gomes, óleo sobre papel. Pintura apresentada no “II Congresso Internacional de Psiquiatria”. Fonte: Museu de Imagens do Inconsciente.

 

A vida e a obra de Jung são exemplos claros da valorização da expressão artística. No ano de 2012, quarenta mandalas feitas por seus pacientes foram apresentadas ao público pela primeira vez na exposição The sacred round: mandalas by the patients of Carl Jung, realizada no Oglethorpe University Museum of Art – OUMA, em Atlanta, USA. Embora Jung não considerasse suas pinturas obra de arte, seu Livro Vermelho abriu a Exposição Internacional da 55a Bienal de Arte de Veneza: “O Palácio Enciclopédico”, apontando para o espiritual na arte.
Ele considerava a imaginação uma das principais funções da psique, a expressão direta da atividade vital, e a única forma pela qual a energia psíquica se manifesta na consciência.

Assim sendo, é imprescindível prestar atenção à linguagem da psique – a fantasia – pois é por meio desta, quando a mente se enche de imagens que dão amplitude à experiência exterior, que o homem é capaz de se lançar em um processo de simbolização, tornando-se um criador interminável de novas possibilidades culturais.
Jung (2011c) sugeria a seus pacientes que pintassem os sonhos de forma que pudessem dialogar com o material simbólico trazendo uma realidade concreta. Se todo universo psíquico se manifesta em nossos sonhos, e os complexos se corporificam por meio de imagens, é possível então, com experiência e certa dose de sensibilidade, alcançar o sentido profundo dessas imagens com alta carga afetiva, desenhadas ou pintadas pelo paciente.

Figura 1: Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung.

 

Figura 2: Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung.

 

Figura 3: Title: Automatic drawing. Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung.

 

Figura 4: Title: Dream. Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung

 

Figura 5: Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung

 

Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung

 

Figura 7: Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung

 

Figura 8: Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung

 

Figura 9: Figura 6: Mandala criada entre 1926 e 1945 apresentada ao público pela primeira vez no OUMA. Fonte: Catalogue The sacred round mandalas by the patients of Carl Jung

 

Jung (2011c) lembra-nos que tais imagens, em certas circunstâncias, têm efeito terapêutico considerável sobre seus autores, o que é empiricamente comprovado, além de ser compreensível. Afinal, não raro representam tentativas ousadas de ver e reunir opostos aparentemente inconciliáveis e vencer divisões aparentemente intransponíveis. Afirma ainda que a simples tentativa nessa direção, usualmente, apresenta efeito curativo.
A pintura feita pelo próprio paciente produz efeitos incontestáveis, embora sejam difíceis descrever. Basta, por exemplo, que um paciente perceba que, por diversas vezes, o fato de pintar um quadro o liberta de um estado psíquico deplorável, para que ele lance mão desse recurso cada vez que seu estado piora. O valor dessa descoberta é inestimável, pois é o primeiro passo para a independência, para a passagem para o estado psicológico adulto.

Usando esse método – se me for permitido usar este termo – o paciente pode tornar-se independente em sua criatividade. Já não depende dos sonhos, nem dos conhecimentos do médico, pois ao pintar-se a si mesmo – digamos assim – ele está se plasmando.

Processo idêntico ocorre com a mão que guia o crayon ou o pincel; com o pé que executa os passos da dança; com a  vista e o ouvido; com a palavra e com o pensamento. É um impulso obscuro que decide, em última análise, quanto à configuração que deve surgir. É a priori um inconsciente que nos leva a ciência do outro; guiado pelos mesmos fatores, embora, em tais momentos, tenhamos a impressão de que nos achamos à mercê de uma causalidade  subjetiva e sem limites. Por sobre todo processo parece que aspira uma precognição obscura, não só daquilo que vai  tomando forma, mas também de sua significação.

A arte se apresenta para o mundo como uma imposição do processo criador do artista.

A obra de arte emerge como uma fotografia do inconsciente revelando aspectos do pessoal e do coletivo. Contextualizada em tempo histórico, fornece uma leitura do movimento de um povo dentro de seu tempo e pode ser prospectiva, trazendo o que está por vir. A leitura da obra de arte, por sua vez, deve atuar em nós como a imagem do sonho que, mesmo sem ter uma compreensão racional, pode ter um efeito homeostático sobre nós. Quando temos grandes sonhos, de cunho arquetípico, que nos causam profunda impressão, temos a necessidade de contá-los, como se não pertencessem somente a nós. Assim se manifestam os símbolos no sonho e na arte. Para Jung (2011b), a  imagem e seu significado são idênticos e, à medida que a primeira assume contornos definidos, o segundo se torna mais claro. A forma assim adquirida, a rigor, não precisa de interpretação, pois ela própria se basta e descreve seu sentido. “Assim como uma planta produz flores, assim a psique cria os seus símbolos. E todo sonho é uma evidência deste processo” (JUNG, 2008, p. 63).

O inconsciente se expressa através dos símbolos. É importante entender a diferença entre o conceito de símbolo (significado simbólico) e o de signo (significado semiótico). Jung (2011d) explica que o signo representa algo; já o símbolo representa a si mesmo, possui um significado óbvio, mas que uma imagem só é um símbolo quando tem também outro sentido, estimulando tanto a percepção quanto a intuição. Ao se desvendar o sentido do símbolo, pode-se dizer que ele morre. Enquanto está vivo formula uma essencial grandeza inconsciente, o que não tem nada a  ver com os arquétipos, uma vez que estes últimos são imagens originadas de repetições de uma mesma experiência através de gerações, que constituem o inconsciente coletivo. Para que um símbolo possa ser redentor é necessário que o indivíduo esteja profundamente preocupado com a situação; além disso, ele deve ter feito tudo o que estava ao seu alcance para encontrar uma resolução consciente de seu dilema. O símbolo deve, ele próprio, expressar o processo vital do inconsciente nesse individuo particular; e, o indivíduo, por sua vez, deve captar o significado do  símbolo que lhe é apresentado não apenas com o intelecto, mas também com o coração, deixando-se influenciar por  seus ensinamentos. A psique é um sistema autorregulador. Com a assimilação de um novo conteúdo pela consciência, com a emergência de um novo símbolo que traz consigo toda uma nova forma de ver a vida e atribuir significados, a energia se torna disponível.

Como centro da consciência, o ego é o fator complexo com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam. Refere-se à experiência que a pessoa tem de si mesma como um centro de vontade, desejo, reflexão e ação – e, sendo assim, é o sujeito de todos dos atos da consciência. O processo ontológico descrito por Gaeta (2010) ocorre da  seguinte maneira: o bebê nasce inconsciente. Ao longo da primeira metade da vida, vai adquirindo a consciência, que se estrutura e, geralmente, se supõe ser o centro da personalidade total do indivíduo, ignorando as demandas e, eventualmente, a própria existência do inconsciente – processo este que conduz o indivíduo ao estado neurótico.
Jung (2011e) explica que a psique consciente e a psique inconsciente buscam seu equilíbrio no Self total, compensando-se e integrando-se mutuamente. Se o equilíbrio não ocorre, podem surgir neuroses e distúrbios de  diferentes matizes. Na perspectiva da Psicologia Analítica, a energia psíquica, ou libido, se manifesta na experiência,  por meio do movimento, e em fenômenos dinâmicos da alma como tendências, desvios, atuação, produção de  trabalho, o querer e os afetos, entre outros.

Essa energia tem movimentos e direções, que Jung (2011b) denominou de regressão e progressão da libido. A progressão diz respeito à energia utilizada para adaptação ao mundo, à vida, o que nos move. Em situações de  conflito, a progressão da libido é suspensa ocorrendo uma regressão que conduz o fluxo de energia ao inconsciente. A  inversão do fluxo de energia promove o surgimento de novos conteúdos que, se não integrados, causam a  dissociação, a cisão da personalidade, a desunião consigo mesmo e a neurose. Portanto, enquanto a progressão  promove a adaptação ao mundo, a regressão leva, paradoxalmente, a novas possibilidades de desenvolvimento, pois  ativa o mundo interior. A progressão assenta-se na necessidade vital de ajuste, compele o indivíduo a se orientar  inteiramente para as condições do mundo ambiente e, consequentemente, a reprimir aquelas tendências instintivas primitivas.

A regressão, ao contrário, enquanto adaptação às condições do próprio mundo interior, assenta-se na necessidade  vital de satisfação das exigências da criação da identidade, da individualidade – o que, no entendimento de Jung, é  essencial para o atendimento pleno da necessidade de adaptação ao mundo exterior.
O homem não é uma máquina, no sentido de que poderia manter constantemente a mesma produção de trabalho;  pelo contrário, só poderá corresponder plenamente às exigências da necessidade exterior, de maneira ideal, se se  adaptar também a seu próprio mundo interior, ou seja, se entrar em harmonia consigo mesmo (JUNG, 2011a). O processo de individuação inclui os dois momentos: a adaptação ao mundo externo e a busca da individualidade mais profunda.

Assim, o ser humano vive uma situação contraditória. Se, de um lado, há uma parcela conhecida da personalidade  que situa cada indivíduo no mundo, de outro, há elementos psíquicos desconhecidos que se manifestam  independente de sua vontade, causando estranhamento. São os conteúdos do inconsciente que, quando aparecem,  geram surpresa, na medida em que representam qualidades até então inexploradas ou atitudes fora do controle da consciência. A melhor integração das pessoas com o si-mesmo e com o mundo que as rodeia exige a assimilação  desses conteúdos, livrando-as da dissociação. A integração dos conteúdos do inconsciente à consciência depende da  força do ego, ao mesmo tempo, que possibilita seu fortalecimento. É possível comparar o ego a uma espécie de  espelho no qual a psique pode ver a si mesma e se tornar consciente. O conteúdo psíquico que não é captado ou  mantido na superfície refletora do ego compõe o inconsciente, e este exerce influência constante, intencional e  autônoma sobre a psique e a personalidade dos indivíduos, embora nem sempre isso seja percebido.

A ausência de contato com o inconsciente pode ter consequências como angústias ou conflitos que parecem  inexplicáveis – e levar a depressão, impulsos irracionais fora de controle, crises de ansiedade e mesmo surtos  psicóticos, para citar apenas algumas possibilidades psicopatológicas, pelo aumento de carga energética retida no inconsciente. Os sonhos, constituídos por símbolos, são a linguagem que o inconsciente recorre para se expressar,  para transmitir seu conteúdo à mente consciente, mas as imagens simbólicas também podem emergir através da imaginação, expressa de maneira espontânea por meio de recursos artísticos.

Em situações de atendimento clínico, o aparecimento de imagens simbólicas após a utilização de recursos artísticos  pode proporcionar contenção para os conteúdos do inconsciente, com eventual aproximação entre consciência e  inconsciente, por meio da construção de um canal de conexão não verbal. Através de medidas terapêuticas comuns, pode-se levar a mente do paciente a uma distância segura de seu inconsciente. Por exemplo, induzindo-o a  representar sua situação psíquica num desenho ou num quadro. Com isso, o caos que nos parece impossível  compreender ou formular é visualizado e objetivado, podendo então ser observado à distância, analisado e  interpretado pela consciência. Como consequência, a impressão originariamente caótica e amedrontadora é  substituída pela imagem que dela se faz.

Ou seja, o tremendum é “desencantado” pela imagem, tornando-se banal e familiar, pois quando o paciente se vê  ameaçado pelos afetos da experiência originária, as imagens por ele projetadas servem para aplacar o terror, como é o caso da visão aterradora de Deus (JUNG, 2011a).

Entretanto, os símbolos não apenas exprimem as profundezas do ser às quais dão forma e figura, mas também – com a intensa carga afetiva de suas imagens – o desenvolvimento dos processos psíquicos, transmutando as energias e “convertendo o chumbo em ouro”. Sendo o símbolo a relação do todo psíquico com as vivências – sejam elas fatos,  coisas, corpo, ideias, emoções -, toda vivência psíquica é simbólica, mesmo quando ainda não temos a capacidade consciente de percebê-la como tal. Os símbolos estão presentes estruturando a personalidade por meio da ação totalizadora do arquétipo do Self.

Qualquer coisa se torna símbolo ao nos abrirmos para vivenciar suas ligações com o todo. O que torna uma imagem  símbolo do Self, ou de qualquer outro arquétipo, é a experiência pessoal, o significado da imagem em termos de  potencial de crescimento ou integração para um indivíduo em particular. Entretanto, existem símbolos coletivos com potencial de mobilização de toda uma sociedade. De um ponto de vista psicológico, Cristo representa, enquanto  homem primordial, uma totalidade que ultrapassa e envolve o homem comum, e corresponde à personalidade total,  o si-mesmo, que transcende o plano da consciência.

A Psicologia Analítica pondera que os símbolos presentes nos sonhos das pessoas podem corresponder a imagens presentes em mitos antigos, na arte e na religião de tempos e lugares desconhecidos por quem sonha. Assim, a cultura e a religião fornecem elementos para compreender melhor o universo arquetípico. Ao longo dos tempos, em diferentes culturas, a humanidade sempre teve como pressuposto a existência de uma entidade interior invisível.
Exemplo disso são as alegorias poéticas e religiosas, onde é frequente que os homens façam referência à alma como entidade feminina, tida como musa, fonte de inspiração para a poesia, a literatura, a arte e, também, provedora de sensibilidade refinada. De maneira diferente, para as mulheres é a presença da força e da sabedoria que alimenta a imaginação do masculino.

Jung (2011a) considera que a alma descrita na linguagem religiosa tem uma contrapartida psicológica, ou seja: há uma parte objetiva da psique que realiza as mesmas funções. A título de distinção entre a entidade psicológica  objetiva e aquela da concepção religiosa, Jung a designou de anima (alma) para os homens e de animus (espírito)  para as  mulheres. A alma representa a realidade interior e, sobretudo, um conjunto de símbolos: as várias imagens  de anima e de animus pelas quais é representada a vida interior. Esse conjunto de imagens está amplamente presente  em mitos e fábulas e é semelhante em diferentes culturas e manifestações artísticas, bem como nas  religiões. Em suma, a estrutura básica, identificada por Jung como anima e animus, reveste-se, para ele, de  universalismo, o que é uma característica do arquétipo. Os arquétipos da anima e do animus são apenas dois entre uma infinidade de arquétipos que constituem a psique humana sendo, portanto, inumeráveis as representações  derivadas dos arquétipos no inconsciente e posteriormente na consciência.

Apesar de inicialmente considerar o Self abrangendo o consciente e o inconsciente, posteriormente, Jung (2011e)  diferenciou o Self do ego da seguinte maneira: o Self não existe sem o ego, apesar de sua natureza transcendente, o  que configura uma relação de mutualidade, sendo, no entanto, o motor e o combustível do processo de individuação, ao qual o ego deve se submeter. O pressentimento que as pessoas têm da existência de um centro da personalidade,  de um lugar central no interior da alma, com o qual tudo se relaciona e que ordena todas as coisas, representando ao  mesmo tempo fonte de energia, reflete-se na mandala. O centro não é pensado como sendo o eu, mas como o si-mesmo ou a personalidade total.

Jung (2011d) considerava a mandala um arquétipo de ordem, de integração e de plenitude psíquica, capaz de retratar  o inconsciente em um impulso instintivo de ordenação de um estado psíquico – configurando-se, assim, em  uma possibilidade de o ego entrar em diálogo com o inconsciente. Em suas pesquisas, ele observou que as mandalas  podem surgir de forma espontânea quando a psique está em processo de reintegração, mas que também podem aparecer em momentos de desorientação psíquica, como forma de compensação. Feitas com desenhos muito simples  ou com motivos primorosamente delineados, há sempre um centro na mandala de onde tudo parte ou para onde  tudo converge.

A função terapêutica da arte, traduzida na Arteterapia, permite a passagem de um conteúdo inconsciente, não assimilado, transmutado ou transformado, para outro conscientizado. Busca visualizar conteúdos expressivos, onde a  forma converte a expressão subjetiva em comunicação objetivada. Clarificando essa abordagem conceitual, a forma originada traz em si uma realidade empírica – em contraste com a mera possibilidade, a ilusão, a imaginação ou a  idealização. Em outras palavras, a Arteterapia promove o encontro entre pensamento e sentimento, rompendo a  dualidade da experiência do mundo interno com o mundo externo.

A arte como expressão de imagens interiores, e manifestação espontânea dos conteúdos inconscientes e da alma do  ser humano, é algo que já vem sendo há muito tempo explorado pela humanidade. Por sua vez, a pintura de  mandalas aplicadas como instrumento terapêutico proporciona um estado de relaxamento mental em que as  experiências traumáticas, os medos e as tensões podem transformar-se (GAETA, 2016), possibilitando a aproximação organizada do símbolo que contém os dois lados da polaridade e engloba tudo, inclusive os paradoxos.

 


6 Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (1989), mestre em Gerontologia pela PUC/SP (2003) e doutora em Psicologia (Psicologia Clínica) pela PUC/SP (2009). Professora desde 1999 em cursos de Pós-Graduação com o tema Psicologia Analítica em Instituições de Ensino Superior do Brasil (UNIP, UNICAMP, PUC). Professora do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da  PUC-SP, dando Supervisão de estágios em clinica no núcleo de Psicoterapia segundo o enfoque da Psicologia Analítica integrada às técnicas de Abordagem Corporal Coordenadora e Supervisora Clínica do curso de Pós-Graduação em Psicologia Analítica da Universidade Paulista. Analista Junguiana, IJUSP/AJB, membro da International Association for Analytical Psychology (IAAP). Atua na área clinica desde 1990 atendendo adolescentes e adultos.

 


Referências

GAETA, I. [Arcuri]. Memória corporal: o simbolismo do corpo na trajetória da vida. São Paulo:
Vetor, 2016.
______. Arteterapia: um novo campo do conhecimento. São Paulo: Vetor, 2006.
GAETA, I. Psicoterapia junguiana: novos caminhos na clínica. O uso do desenho de mandalas
e calatonia. São Paulo: Vetor, 2010.
______. Ampliação da consciência por meio da calatonia e da arteterapia. 2009. 196 f. Tese
(Doutorado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 2009.
JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
______. O espírito na arte e na ciência. São Paulo: Vozes, 2011a.
______. A energia psíquica. Petrópolis: Vozes, 2011b (Obras completas de C.G. Jung, v. 8/1).
______. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2011c (Obras completas de C.G. Jung, v.
8/2).
______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2011d (Obras completas
de C.G. Jung, v. 9/1).
______. Aion: estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 2011e (Obras
completas de C.G. Jung, v. 9/2).